Crônica escrita durante a disciplina: Comunicação Verbal com Emoção e Criatividade com o Prof. Dr. Jorge Kanehide Ijuim.
Quando esta história aconteceu, eu não tinha medo de avião. Não ficava nervosa com a altura e muito menos tinha a sensação que o ar ia faltar quando as portas se fechassem. E não tinha, simplesmente porque eu nunca havia voado antes, nesse caso, a ignorância me protegia.
Como se não bastasse ser minha primeira vez, ainda viajei sozinha. Muita gente pode pensar que é loucura (tipo minha mãe), mas achei uma loucura ainda maior passar mais de 24h em um ônibus ao invés de um pouco mais de 3h em um avião, nesse caso, acho que o desânimo de uma viagem muito longe, ganhou do medo do desconhecido. Eu ia arriscar.
Meu namorado na época, muito preocupado com minha segurança e talvez um pouco mais com o fato de que era bem provável que eu passaria por alguma vergonha lá dentro, narrou todo o passo a passo do que aconteceria. Acho que chegamos até a ensaiar e eu muito atenta a todas as informações, apesar de confundir a ordem das coisas de vez em quando.
Chegado o grande dia, fui me despedindo e quando cheguei na minha mãe ela disse que ficaria em casa que não queria me ver entrar naquele portão (poderia ser um mau presságio?), mas me abraçou e completou com um “vai com Deus”.
Eu tinha 18 anos e as coisas eram bem diferentes. Não vou dizer que não fiquei nervosa, fiquei sim. Lembrei de tanta coisa. Filmes, reportagens, probabilidades, como funcionava mesmo o avião? Por que eu fui ver aquele filme que o avião caía? Se cair no mar, acabou pra mim, porque eu não sei nadar! Aliás, por que eu não sei nadar mesmo? E os Mamonas Assassinas que tiveram um acidente aéreo no dia do meu aniversário de 10 anos (nunca me esqueci disso). Parando para pensar aquilo que eu estava chamando de nervosismo já era quase um pânico.
De algumas coisas eu não consigo me lembrar mesmo, culpa da mente ansiosa que estava ocupada demais traçando todos os piores cenários possíveis. Mas lembro que, enquanto meu namorado estava comigo, foi tudo muito simples e tranquilo. Talvez o único problema é que o nervosismo estava me fazendo sorrir excessivamente para as pessoas, mas nada fora do roteiro, até que nos abraçamos e eu segui para o embarque, enquanto eu acho que ele estava tentando me dar as últimas dicas.
Segui eu e Deus, como afirmou minha mãe, tentando parar de sorrir tanto. Dali em diante setas e funcionários que, devolviam com entusiasmo meu sorriso excessivo, me ajudaram e logo eu estava procurando meu assento no avião. Os números iam aumentando e cheguei a pensar que acabariam antes de chegar o que estava escrito no meu bilhete, mas lá estava ele, e era o último assento.
Percebi que ali não era um lugar que as pessoas gostavam de sentar, mas tudo bem, assim não precisaria me preocupar muito com as caras de desespero que eu poderia fazer durante a viagem, em caso de alguma coisa sair do controle.
Decolar é gostoso, dá um frio na barriga tipo montanha-russa, mas nada se compara a pousar, tô pra conhecer um alívio tão grande quanto este.
Quando fomos trocar de aeronave, fiquei atenta! Segui as ordens da moça e também um corredor imenso e procurei o meu mais novo portão de embarque. Só que, apesar de Brasília ter um aeroporto grande, nada, mas nada se compara com o de São Paulo. Andei pra caramba e agradeço quem me falou pra ir de tênis, olha não lembro, mas você me salvou.
Só que, minha gente, pegar um voo em São Paulo não é para amadores. Lá está você tipo perto do portão 8 quando de repente a moça fala o número do seu voo e diz que o portão mudou para o 16. Oi? E ainda completa com: “Embarque imediato” para aumentar a agonia.
Vi uma galerinha praticamente sair correndo e comecei a correr atrás. No caminho, ouvi mais umas três chamadas de voos e trocas de portões e mais gente levantando e correndo. Será que ela chamou meu voo e eu não ouvi? Até que perguntei para um rapaz que estava em ritmo de marcha atlética e sim, descobri que íamos para o mesmo lugar, Salvador, na Bahia, onde eu passaria a morar – mas esta é outra história.
Ouvi seguidamente que, aquelas últimas 5 vezes que a moça chamou no microfone, eram a última chamada para o voo, só faltava saber qual.
Quando uma lágrima já queria brotar, encontramos o portão já meio vazio. Como podia a maioria das pessoas terem entrado? Será que elas tinham alguma informação preciosa que eu e o moço da marcha atlética, não tínhamos? Um dia eu ainda iria descobrir para não passar sufoco.
Entramos, ufa! Agora eu já era uma veterana né? Já sabia como era decolar, entendia quando ele fazia as curvas e já havia sentido o alívio que é pousar e continuei sentando lá no final da aeronave, realmente as pessoas não gostam mesmo dali.
Quando finalmente pude respirar, acho que dei uma breve cochilada. O nervoso, a tensão, o medo de perder o voo e toda aquela correria me cansaram, muito! Mas durou bem pouquinho. Não cheguei a me perguntar se alguém te acorda, caso você não se levante para descer, ou vai acabar parando no aeroporto errado, tipo como acontece com a gente nos ônibus.
Quando abri os olhos devagar, o sol batia na janela. O céu todo azul, limpo, limpo como poucas vezes vi na vida. Se eu não tomei nada junto com o suco de laranja que – muito timidamente aceitei da aeromoça – também senti algo que poucas vezes havia sentido!
Naquela imensidão de azul de uma beleza tão rara, lembro de ter pensado meio que em voz alta que não era possível que não exista nada além de nós aqui. Uma emoção e uma certeza de que, primeiro aquele avião não ia cair, depois um conforto imediato como se estivesse no lugar mais seguro do mundo. Uma paz sem precedentes, palpável, divina.
Comecei a ter uma certeza quase duvidosa de que na minha vida, sempre haveria chão, mesmo antes de colocar o pé. Fechei os olhos, sorri, senti o sol, agradeci por aquela sensação, por aquela beleza, por aquela chance e por poucas pessoas sentarem no final do avião.
Se hoje eu pensar em tudo que tinha acontecido para que eu realmente me mudasse para a Bahia e depois todas as coisas maravilhosas que aconteceram lá, poderia dizer que aquela sensação era a resposta de todas as minhas preces. Ia dar certo!
Por mais incrível que tenha sido, nada se compara com a terra firme, o avião não caiu (deu pra perceber) e eu precisava muito contar e acalmar o coração da minha mãe. Liguei pra ela ouvindo o alívio na voz do outro lado. Que loucura que foi, mas ela tinha razão, naquela viagem, minha primeira viagem de avião estávamos realmente, eu e Deus, agora eu tinha certeza.

Mãe da Júlia e da Isadora, jornalista, escritora aspirante, apaixonada pela literatura, entusiasta da escrita e autora de cartas para desconhecidos.
Ah que lindo Bárbara! Nossa, me vi muito nessa crônica.. eu tímida em São Paulo e no mundo nos aeroportos da vida!
Fiquei imaginado aqui que revelaria ter se casado com o moço da marcha atlética e ido embora com ele para a Bahia … haha… Adorei!
Viajei contigo…
Devia estar algumas fileiras à frente na primeira etapa, e correndo atrás do bonde do moço da marcha atlética, nem um pouco atlética e chegando muito esbaforida na segunda!
Depois socar a mala de mão que carrega toda a bagagem sempre, saltei um passageiro pra me encaixar no meio, pq comprei promoção e não pude escolher lugar! Consegui contemplar o azul pelo sorriso da moça <3
Suspirei e sorri tbm!
Obrigada e parabéns pelo texto, Bárbara!