Imaginar o pior é uma tendência nacional, já dizia minha tia-avó Crimelda, que Deus a
tenha, “o povo gosta de desgraça igual urubu gosta de carne podre”. Semana passada lia
minha coletânea de poemas de Cruz e Souza na mais perfeita paz de espírito que um
domingo no interior pode oferecer – desconsiderando o galo com o relógio disfuncional
da vizinha que cantava a cada cinco minutos. Encarava o bicho, quando um barulho de
motor incomodou o céu. Olhei para o azul eufórico acima de mim e lá estava um
parapente com motor, girando no ar em espiral e descendo rápido demais. Alguns
meninos que brincavam com seus celulares no campinho de bola apareceram correndo.
— Ele vai cair! — Gritavam ao mesmo tempo, atropelando um ao outro com
olhos e bocas bem abertos.
— Talvez seja uma manobra — falei.
— Claro que não! Tá caindo! — Minha vizinha, uma senhora simpática com
seus setenta anos encurvando suas costas, apareceu falando com as mãos levantadas
para o alto. — Essas bobices que o povo inventa, que tragédia! Que tragédia!
O parapente sumiu atrás de algumas árvores, mas não se ouviu nenhum som.
— Corre lá, menino! Vai ver o que aconteceu.
O garoto mais alto, que estava na bicicleta, pôs-se a pedalar com força até que o
perdemos de vista na curva que levava para o local do possível acidente. O grupo que
ficou aumentou em pouco minutos. Logo chegou a filha da vizinha e seu cachorro, o
mototáxi que passava ficou curioso e parou, e a mãe do menino da bicicleta surgiu com
um pano de prato encardido no ombro. Reclamaram sem parar da falta de segurança e
da irresponsabilidade do condutor, prepararam seu funeral e alguém fazia um post para
o Facebook.
— Lá vem ele! — Um dos meninos gritou.
A bicicleta vinha em sofrimento pelo chão de terra, deixando uma pequena
nuvem de poeira para trás. O menino suado freou com dificuldade e com a respiração
pesada nos informou o que havia visto.
— Ele já voltou a voar, olha — apontou para o céu no momento em que o
plástico colorido surgia imponente e rindo da cara de todos —, foi uma manobra, eu
acho.
Pressionei os lábios um contra o outro e encarei o pequeno grupo. O motoqueiro
arrancou a moto às pressas, devia estar atrasado, a dona de casa voltou para suas tarefas e os meninos olharam tristes para o céu.
— Ainda bem, não é mesmo? — disse para minha vizinha corcunda.
— Claro, claro… — e voltou cabisbaixa para o interior de sua casa levando a
filha.
Lembro disso enquanto leio a notícia de que um parapente caiu na região depois
de executar uma manobra radical na manhã de ontem. Ninguém se feriu, com exceção
de um galo que passava pelo local na hora do acidente.
Foto: Freepik

Este artigo foi escrito por um grupo de alunos, confira o nome dos autores na nota de rodapé.