Estou uma pilha de nervos, como sempre neste dia do ano. Fecho os olhos por um segundo e, quando volto a abrir, vejo algo vermelho mais atrás. Então, pulo de susto. Mas, tão rápido quanto surgiu, o objeto desaparece. Depois de todos esses anos eu já deveria estar acostumada. O homem que me acompanha hoje é o melhor de todos desde que isso tudo começou. Mas, o fato deste ser um dos bons não me ajuda em nada. Muito pelo contrário. Quando ele se afasta de um de seus abraços apertados, me deparo com um par de olhos negros e uma boina vermelha. Pulo nos braços dele, até ver que é ele e não o maldito.
Contei a Roberto sobre o acordo que fiz com o safado que dizia ter o poder de realizar meu maior sonho, mas sem me dizer seu preço. O que ganhei em troca? Fama. Sucesso. Muito dinheiro. Reconhecimento mundial. Tudo que eu sempre quis. Eu não conseguia emplacar nenhum livro no início. Então, numa noite de autodepreciação, bêbada e querendo morrer, disse em voz alta que eu seria capaz de entregar minha alma ao diabo em troca de ser uma autora famosa. Não foi o diabo que surgiu diante dos meus olhos afogados nas lágrimas. Ele se apresentou como um belo homem negro de um metro e oitenta. Sedutor, cavalheiro e muito gentil, o maldito me embebedou, me trazendo a uma encruzilhada para fecharmos o acordo que alavancaria minha carreira. Volto das lembranças quando estamos chegando ao local e escuto sua risada diabólica, outro tremor intenso me sacodindo. Então, às doze horas em ponto, estou de volta à maldita encruzilhada. Uma Ferrari vermelha, como sempre, já está à nossa espera.
– Este é o sujeito? – Roberto pergunta e eu assinto, todo o temor estampado em toda minha expressão.
– Que bom que você foi pontual dessa vez, Mariana e vejo que trouxe seu acompanhante.
– Vim pra acabar com essa palhaçada! O que posso te oferecer pra que deixe minha garota em paz?
– Está disposto a fazer qualquer coisa para livrar sua amada, a grande Mariana Gonçalvez?
– Sim! Qualquer coisa. Diga seu preço.
– Tomar o lugar dela. Esse é o preço.
– Que seja!
– Tem certeza disso? – Ele assente. – Diga. Preciso ouvir as palavras para que tenham o efeito desejado.
– Eu, Roberto Lima, troco de lugar com a Mariana Gonçalves no seu acordo de merda. – O bastardo sorri mais e seu olhar negro como a noite mais escura cai no meu.
– Você se superou este ano, querida. Ele foi muito mais rápido do que os outros.
– O que? Como assim, outros? – Roberto olha rápido pra mim e solta minha mão.
– Sinto muito – digo e me afasto o máximo que consigo, porque agora vem a parte suja disso tudo.
O sorriso diabólico some quando o maldito abre a boca de verdade. O homem bonito desaparece, dando lugar a um monstro medonho. Conto mais de cinco fileiras com dezenas de dentes pontiagudos e afiados na boca imensa, e, em uma bocada, a metade de cima do corpo do namorado da vez desaparece. O sangue espirra para todos os lados. Dessa vez, estou longe o suficiente para não me sujar, mas o horror é o mesmo. Lágrimas grossas escorrem pelas minhas faces pálidas e o coração parece correr uma maratona no peito. Outra bocada e todo o corpo do homem que me amou pelos últimos dez meses desaparece de vista.
Então, depois de uma gargalhada satânica, em um piscar de olhos, ele e o maldito carro desaparecem, deixando um rastro de fogo pela estrada. Eu deveria ter durado apenas um ano depois que o Saci cumpriu sua parte no acordo e meu primeiro livro se tornou um best-seller. Naquela primeira noite de acerto de contas, um ano depois, minha mãe me acompanhava e foi ela a tomar meu lugar, sendo devorada pelo maldito. Na noite em que fechamos o acordo ele me mostrou do que era capaz. Depois da meia noite, uma garota surgiu logo depois de nós nos beijarmos. Ela, ao contrário de mim, não estava acompanhada e, horrorizada, eu o vi engolir a pobre garota em uma bocada só.
Quem pensa que um acordo com o Saci Pererê envolve apenas as travessuras de um garoto negro de uma perna só que pula de um lado para o outro, não sabe de nada. Ele é um espírito maligno. Um emissário do próprio Lúcifer. Sua missão? Levar almas ao inferno. E eu nessa história? Sou mais uma de suas vítimas.
– Corra, Mariana. Você tem apenas um ano para seduzir o próximo idiota. Até ano que vem, querida. – Escuto a voz do maldito quando entro no meu carro. Olho para o lado. Onde antes estava o sacrifício deste ano, há apenas uma mancha grande de sangue. Eu me resigno. Essa culpa dura até o próximo cheque da editora. Então, há um sorriso nos meus lábios quando dou partida no meu carro.
– Até o próximo ano, maldito.
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