Quando ela pensa na própria fome, se lembra de sua mãe, e das maçãs que ela dizia para que comesse. Pensa na sua própria figura pequena e um pouco dramática, choramingando quanto ao seu estômago vazio, incomodando o descanso de sua mãe de minuto a minuto para dizer que não aguentava mais, que estava faminta, ouvindo em troca que a geladeira estava tão vazia quanto, mas que havia maçãs dentro da gaveta. Como alguém que preferia ouvir o que os outros tinham a dizer, ela ia até lá, puxava o gavetão de acrílico, rasgava a sacola e apanhava uma das frutas – vermelha, brilhante -, e sua boca se enchia de saliva. Não porque gostava de maçã – sempre achou uma das frutas mais sem graça de se saborear se não em formato de tortas ou doces -, mas porque era a única coisa que tinha ali, pronta e fácil, e ela deveria se contentar com tanto.
Mordida por mordida, ela engolia os pedaços da fruta. Às vezes, era esfarelenta e doce demais; em outras, o suco puxava um pouco da saliva das profundezas da sua garganta, e era ácido, saboroso e temporariamente gratificante.
Mas, poucas horas depois, seu estômago estava cantando de novo na sinfonia da fome, e ela ficava confusa, irritada e indignada. Havia acabado de devorar uma maçã enorme, como ainda poderia ter fome? Deveria comer a sacola inteira de frutas? Algumas vezes, chegava a fazer isso – três, quatro maçãs em um único dia – e, mesmo assim, continuava faminta. Quanto mais comia, menos se satisfazia e mais pensava em comidas maiores, com mais massa, mais fragrância, mais sabor para oferecer, e era aquilo o que ela queria, algo que a enchesse por inteiro.
Hoje, quando pensa nas maçãs, pensa que sua fome pelo mundo é algo que ela nunca aprendeu a valorizar. Hoje, compulsivamente, ela se preenche de todas as coisas que encontra, das migalhas que entregam a ela, e que estão longe de sustentá-la. Mas o que sempre fez foi tapar buracos com farelos de maçã. Buracos pequenos para aqueles que a conhecem, mas enormes para ela, e que são por onde seu fôlego transborda, sua sanidade, o pouco de noção que ela tem de que ela é real, de que tudo é real, e de que nada a satisfaz.
Ela poderia ser tanta coisa, viver tanta coisa, sentir tanta coisa, mas se sente idiota a maior parte do tempo – insuficiente, cansada, velha demais. Tem dentro de si as ideias que a preenchem, mas que são apenas ideias, porque ficou conformada com o caminho das maçãs ao invés das tortas recém-tiradas do forno, dos banquetes bem preparados, exuberantes, e que poderiam alimentar uma família inteira. E quando as ideias destes banquetes tomam forma em sua cabeça, não duram segundos. Elas se esvaem, vazam de dentro dos seus furos em uma tomada de ar, em um pequeno pensamento crítico, em um segundo de autoconsciência.
Para ela, as maçãs são feitas de fome, e a sua é visceral. E enquanto não encontra o caminho para a sala de jantar, enquanto o cheiro de um assado não penetra as suas narinas, ela se preenche e se esvazia delas, deixando que o ácido de seu suco jorre dentro de si, queimando tudo ao redor.