PÓS-BRASIL – ano de 2.377 – DJB (DEPOIS DE JEFF BEZOS)

Chegamos na frente do prédio de 4 andares naquela rua de tantos arranha-céus, aquele predinho solitário, escondido, me dava segurança, nostalgia. Aquele bairro esquecido. Graças à Deus, eu tinha que tomar cuidado, não poderia esquecer e falar o nome Deus em voz alta, na verdade eu tinha medo até de pensar, ainda tínhamos um ou outro lugar assim, eu mesmo conhecia só aquele lugar, o Teos me falou uma vez que tinha outro lugar como aquele em algum outro lugar do mundo, vai ver que era verdade mesmo, o Teos era muito viajado, estudado e… Descolado, isso! Era esse o termo que ele disse que usavam em 2.010, 2.020. Nossa, há muito tempo. Mas enfim estávamos ali na porta do prédio e Telsby parado me olhava, sua cabeça levantada, seus olhos de câmera com todas as perfeições possíveis de todos os pixels possíveis.

– É aqui pai? É aqui? – me indagou Telsby com a tradicional curiosidade e euforia de crianças, incrível como crianças eram iguais em qualquer versão.

– Nossa muito estranho você me chamando de pai…

– Mas é o que você é. É o que a Grande Inteligência J.B. havia determinado.

– É o que eu sou… É… Sempre a Grande Inteligência… Mas isso não são horas, vamos, vamos entrando.

Telsby era o que chamariam muitos anos atrás de FILHO; bom, ele estava sob minha tutela ou o contrário, eu muitas vezes não entendia muito bem. Ele era um robô, só que não de última geração, ele era um robô meio burro, ou seja, meio humano ainda. Coitado por ser assim, era perseguido pela Grande Inteligência J.B. E eu, sei lá se por pena ou carência, acabei adotando aquele pequeno, muito estranho: meio lata, meio gente. Mas eu gostava dele, talvez gostaria mais de um FILHO mesmo. Um FILHO, como Teos havia me contado como era antigamente: os seres humanos se juntavam, formavam uma sociedade chamada união, casamento, acho que isso. E dessa união vinham os filhos, mas desde que o AMOR fora TERMINANTEMENTE PROIBIDO entre os seres humanos que haviam sobrado, ficou inviável um FILHO nos moldes anteriores, inclusive risco de PENA CAPITAL – sim, evoluímos em algumas centenas de séculos, mas nem tanto, pra não perder o costume, pra não deixar a ruindade de ser humano. Então, por ora eu ficava com meu “FILHO”, meio lata, chip, sensores, câmeras, meio gente, meio cérebro. Uma coisa tinha de bom naquele menino robô: ele não se sujava, não peidava, não desobedecia, mas era curioso como toda criança, o espírito de criança é um só. Entramos no prédio. Telsby olhava para todos os lados. Aquela cabeça de robô não parava de girar.

– Calma, você vai acabar tendo uma pane desse jeito Telsby!

– Eu nunca tinha visto um lugar desse jeito!

– É o que chamavam de museu…

– Museu? E o que é um museu?

– Nossa você por ser um robô pensei que saberia mais…

– Mas você sabe muito bem que não sou igual aos outros, eu tenho que aprender muita coisa ainda… Mas ainda bem que tenho essa capacidade de aprender. – o robô abaixava a cabeça, envergonhado.

– Tá me desculpa, tem horas que me esqueço disso. Vou te mostrar umas coisas legais.

Telsby voltou a se empolgar, sua cabeça novamente para o alto e girando para todos os lados, eu tinha medo que começasse a sair fumaça daquela porra de robô, já que seus circuitos não eram dos mais modernos, antigos demais, acho que mais de 3 meses. Mas enfim deixei ele com sua empolgação tecnológica. Adentramos numa das salas, mostrei mapas antigos do Brasil, do que um dia foi o Brasil e como era dividido, não como agora apenas um TERRITÓRIO COLÔNIA das Corporações Jeff Bezos, ele o fundador da corporação, há muito não existia, mas seu legado permaneceu, legado? Telsby ficou impressionado com o que era antes o estado do Amazonas e os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: floresta Amazônica, Pantanal e aqueles animais extintos tão interessantes: onça pintada e aquele na água, na beira do que chamavam de rio.

– Esse é o jacaré não é?

– Isso Telsby, isso mesmo! Mas aqui não tinha somente florestas e animais, tinha gente, muita gente boa…

– Além de tudo isso ainda tinha gente? Gente igual você?

– É… Basicamente. Eram os povos originários do Brasil… Eles…

Antes que eu pudesse explicar o robô agitado, corre até um equipamento com fones de ouvido, o robô conecta suas saídas / entradas de som no aparelho e começa a ouvir. O robô parecia que estava sorrindo, olha para mim mais um fone sobrando. Eu me conecto e começo a ouvir junto com ele os versos falados, declamados.

– E isso o que é? Isso não faço nem ideia.

– Isso eles chamavam de Slam…

– Slam?

– Sim, poesia declamada, onde os poetas não utilizavam nenhum outro recurso a não o corpo e a voz para falar suas poesias, sobre tantos temas. Mas disso eu não entendo muita coisa, não aprendi muito não. Foi proibido faz muito tempo, quase no mesmo tempo que o amor fora proibido. Quem sabe muito disso é o Teos… Quem sabe um dia quando o encontrarmos, se é que vamos encontrar ele algum dia ele te fala mais…

– O Teos sabia de muita coisa mesmo não é?

– Sim praticamente de tudo do antigo Brasil, antes do domínio da Grande Inteligência, acho que em 2032 com a desculpa do aquecimento global eles começaram a tomar conta de tudo: da Amazônia que se transformou num DISTRITO FECHADO, proibiram os amor, os filhos, a poesia e lugares como esses, os museus, eles fizerem esse mundo do jeito que a gente conhece. Logo mais nós seres humanos 100% humanos seremos proibidos de existir também…

– E por que tanta proibição?

– Eles não querem emoções! Emoções não se controlam! Pessoas que se emocionam, pensam também. Pessoas que pensam são perigosas. Pessoas são perigosas…

Antes que eu pudesse continuar meu raciocínio o SINAL tocou, ecoou por todo o Pós-Brasil e para que eu tivesse de fato certeza que era chegada a hora o AVISO no meu SMART RELÓGIO do futuro, o LED piscando.

– Vamos Telsby, hora de voltar para a fábrica! Mais 18 horas de trabalho direto!

– Nossa já?

– Outro dia voltamos, vamos. Mas antes me dê o que tem no seu compartimento.

– Mas agora? Não vai esperar o final do expediente?

– Não, hoje não! Preciso de algum alívio, vamos Telsby!

O robô como esperado obedeceu, abriu o compartimento que tinha na altura, no lugar do que seria a barriga de um ser humano, tirou duas cápsulas e me deu. Tomei, uma cápsula de VINHO do ano de 2.020 – A.J.B. (Antes de Jeff Bezos, bons tempos, lugar comum, mas verdade: éramos felizes, não sabíamos) a outra cápsula de BASEADO, MACONHA, bom era esse o nome que o Teos me falava, nunca vi o vinho e o baseado original, somente aquela versão ultra moderna e ultra prática que descia goela abaixo sem água mesmo. Me senti relaxado, agora pronto para o trabalho. Andando rumo à fábrica. Um pouco de vazio preenchido. Preenchido por algumas cápsulas e pela curiosidade de um menino meio máquina, meio gente. Onde estaria Teos?

6 comments / Add your comment below

    1. Muito obrigado pelo feedback e pretendo sempre estar de agora em diante enviando textos para esse maravilhoso canal e Blog que tem muitos autores e textos fantásticos e instigantes. Obrigado, vamos escrevendo!

    1. Opa muito obrigado Karla, pretendo dar sequência nessa história e sempre contando com os feedbacks tão valiosos de vocês, que possamos produzir mais, escrever mais, pensar mais e agir mais pela transformação! Abraço!

  1. Edina Quaresma
    Márcio parabénsssss!
    “Pessoas são perigosas”.Digo mais ,Pessoas que nos provocam emoções são perigosíssima s!!!Você consegue fazer isso .Me transportei para o ano de 2377 e me senti perdida como Telsby,meio gente meio robô .

    1. Muito obrigado mesmo minha amiga de formação, de curso de roteiro. E estamos aqui para provocar emoções e pensamentos e em pessoas igual você do Teatro, essa nobre, nobre por demais: Arte, tenho a certeza que a emoção, que a indagação que faço vai mais longe ainda. Não sou só eu que sou perigoso não Edina, nós somos perigosos e o perigo que podemos passar é o de mudar consciências com a escrita, com a palavra, o texto, a encenação, a cena, a imagem, mais uma vez muito obrigado e tudo de bom para você e família.

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