Dia de Faxina

Ela apertou a campainha, eu abri a porta e não pude deixar de sorrir quando vi aquele rosto tão bonito, cabelos longos encaracolados, aquela pele morena, aqueles olhos grandes me fitando, e o que dizer, o que dizer daquele sorriso? Parece que eu estava saindo de um pesadelo e entrando num sonho, literalmente num sonho. Que menina bonita! E sorrindo me indagando, ah, daí me conquista!

 - Oi, bom dia eu sou a Yara, a moça que a senhora contratou pelo aplicativo para fazer uma faxina aqui no seu ap…

Fiquei por alguns segundos apenas admirando aquele rosto, meu Deus! Depois de velha, de viúva eu com esses pensamentos? Que pecado! Mas eu fiquei boba olhando a menina que continuou a me indagar:

- Dona Dolores isso? A senhora que me contratou?
- Sim, fui eu… Sim… - fiquei olhando, sorrindo igual boba.
- Yara. Meu nome é Yara.
- Isso! Entre por favor Yara. Entre.

Dei passagem, apontei a entrada do apartamento para ela. Num primeiro momento ela ficou alguns segundos olhando a bagunça de caixas e sacolas em minha sala. Me senti envergonhada e na obrigação de uma explicação:

- As coisas do traste do meu marido! Um monte de porcaria que aquele merda juntou anos e anos e não me deixava jogar fora!
- Dona Dolores a senhora se separou?
- Sim Yara. Me separei e em definitivo.

Yara arregalou os olhos, e que olhos. Aqueles olhos expressivos falavam por si só sem precisar de palavras naquela boca.

- Em definitivo Yara, estou livre daquele traste para sempre. Ele fez o favor de morrer semana passada!
- Ah, entendi. E pelo jeito ele não vai fazer muita falta.
- Falta nenhuma menina! E quer saber? Antes tarde que nunca! Não é que o cabra morra e vire santo não, mas aquele… Ah maldito Getúlio, eu tenho é pena do capeta com ele lá agora. Até o nome daquele peste era de ditador. Mas que vá! Que suma!

Nos olhamos e demos uma boa, uma sonora risada juntas. Senti que já havia surgido uma empatia, uma simpatia. Será? Nossa devo estar viajando demais… Devo estar delirando, porra Dolores você é uma mulher de mais de 60 anos te enxerga! Essa menininha deve estar cheia de gavião em cima dela. Devo estar com minha cabeça perturbada, também anos casada com aquele traste, deve ter afetado minha mente. Mas agora… Finalmente eu estava livre daquele infeliz, que vá atormentar o capeta agora!

Se passaram mais alguns dias e eu cada vez mais encantada com Yara, pra dizer a verdade cada vez mais apaixonada. Isso era estranho e ao mesmo tempo tão bom estar finalmente livre de Getúlio. Bom, era o que eu pensava até aquela manhã que eu fiquei ali escondida num canto da casa observando a Yara trabalhando. Com que cuidado aquela moça organizava tudo e sempre ajeitando o cabelo, que cena…

- Não tem vergonha não sua velha? Depois de velha deu pra ser sem vergonha? Só o que faltava!

Não meu Deus não podia ser, eu estava tendo alucinações ouvindo a voz de Getúlio, mas não era só a voz, aquele cheiro dele, cheiro misturado de suor com perfume barato, com bafo de cachaça, e aquele charuto, aquele cheiro de charuto vagabundo, de segunda classe, igual ele. Mas não me voltei e ali na minha cozinha aquele maldito do Getúlio ali materializado me olhando e soltando aquela fumaça de charuto, como um dragão, um demônio ou não sei o que e como sempre falava e continuava a repetir.

- Vamos Dolores me responda! Deu pra gostar de mulher agora? E de uma que tem idade pra ser sua neta? Vai saber… Acho que sempre foi isso… Vamos fala! Fala porra!

Aquele imundo falava e vinha pra cima de mim, e falava cuspindo, me encarando, me olhando.

- Getúlio, o que você está fazendo aqui? Você morreu! Você tá morto cara!
- Morto é o caralho! Sua velha louca! Tá vendo algum morto aqui?

Yara chega na porta da cozinha e me encontra tremendo e pálida, branca igual uma folha de caderno.

- Dona Dolores, o que está acontecendo? A senhora me chamou?

Respirei fundo e olhei na direção do vagabundo do Getúlio para expulsar ele dali, mas ele tinha sumido. Olhei para Yara, sorri aliviada.

- Não Yara, não chamei não.
- Tá bom, acho que foi algum barulho da vizinhança. Mas se a senhora precisar é só me chamar.

E foi lá de novo a linda continuar sua limpeza, e eu ali observando aquela mulher maravilhosa, em todos os sentidos físicos inclusive, e por que não? E que corpo, que bunda, que pernas.

- Toma vergonha na sua cara velha escrota! Sua velha tarada!

Me voltei e aquele traste lá sentado na cadeira preferida na cozinha, cuspindo a fumaça no ar limpo da cozinha. Meu Deus agora que encontrei o paraíso teria que dar um jeito de me livrar daquele encosto, mas como? Tem gente que não adianta mandar para o inferno: o Capeta devolve!

Continua…

4 comments / Add your comment below

  1. Muito bom, Márcio!!! Super envolvente e cativante. Faz a gente querer ler mais e mais. O pior é que você cortou a história no meio e a gente fica doida pra saber o resto e pensando em vários finais para a história. Dá um ótimo argumento para cinema. Parabéns! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

    1. Boa noite Professora tudo bem? Tô meio sumido, envolvido muito com roteiros, mas voltarei a publicar esse mês que entra! Tudo de bom, sempre bom contar com suas leituras e feedbacks, abraço!

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