Ela suava frio. Fazia muito tempo que não vinha a público. Todos pareciam felizes com a vida de volta ao normal… Ela nem tanto. As quatro paredes do apartamento localizado em algum lugar no litoral, os livros delicadamente postos nas prateleiras e sua vida simetricamente calculada e protegida do mundo pandêmico, eram o seu porto seguro… Era a zona de conforto desconfortavelmente vivida por ela nos últimos dois anos. Era hora de riscar a lista que havia escrito um ano antes da pandemia sequer ter começado: resoluções de ano novo – coisas que tenho medo. Já havia riscado alguns itens da lista como sair do trabalho administrativo que consumia não só seu tempo e energia vital, mas a sua alma. Já havia enfrentado seu medo de espelhos e a ideia de ter que olhar para si mesma e viajar… viajar sozinha sem muito destino pelo país já não lhe incomodava tanto nem mesmo dançar em público, mesmo que toda vez seu coração quase saísse pela boca. Agora estava ali, exposta mais uma vez, naquele bar em uma cidade desconhecida, olhando para rostos completamente estranhos. Deveria ser mais fácil assim, não é? De cima do palco, tocou a primeira nota… O coração disparou em desespero querendo puxar o corpo com ele. A voz persistiu, trêmula, mas presente. Uma força a fez continuar, pronta para riscar o item cinco da lista.
