Entrevista com Flávio Machado: a vida de um autor independente

Flávio Machado é poeta, pertence à Geração 70, porém só em 2003 publicou seu primeiro livro: “Sala de Espera”, 1° lugar em um concurso literário nacional realizado através de nossa Editora Blocos, no Rio de Janeiro (há um depoimento de Leila Míccolis sobre a experiência dela na Blocos).

Hoje, Flávio é membro efetivo de duas Academias de Letras: a de Letras e Artes de Cabo Frio (empossado em 2020) e a de Letras de Arraial do Cabo (Cadeira 26, posse em 2009). São 9 livros editados, cerca de 103 antologias, e mais de 140 premiações literárias. Um exemplo de determinação, persistência e literariedade de qualidade. Nesta pequena entrevista ele fala de sua trajetória e do orgulho de ser um poeta independente.

LM – Você acha que a literatura independente ajudou na formação e carreira de escritor?

FM – Eu sempre achei que poderia ser escritor, menos talvez por um pequeno período, quando considerei que o cinema era a melhor expressão. E no início eu era muito isolado, isso entre 1976 e 1979. Ainda em 1979 participei de um Festival de Poesia do SESC – Copacabana. Nesse festival descobri a existência de outros poetas na cidade. E surgiu o convite de um grupo para conhecer e participar da Poetagem, uma revista produzida basicamente por alunos da PUC. Então, com essa participação na revista, com debates sobre edições, e as várias incursões poéticas pela cidade, abriu-se um horizonte não conhecido até aquele momento.

Fiz contato com toda uma turma independente que publicava trabalhos em formatos diversos, usando mimeógrafos, entre outros recursos; e todo aquele movimento influenciou até na maneira de escrever, causou transformações duradouras, então muito do que hoje sou deve-se a esse encontro/descoberta, e a correspondência frenética que mantínhamos, em tempos sem internet e suas interações instantâneas. Eram movimentos de literatura independente em todo país. Conheci grupos no subúrbio do Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense, na Zona Sul, e nos outros Estados/Cidades. Gente que produzia muito em um tempo de dificuldades de recursos e censura abundante.

A literatura independente, sem exagero, me moldou como escritor, e até o lado “cineasta” acabou sendo traduzido em estilo. E sou um escritor independente, se hoje não há mais o mimeografo, resiste a forma de produção quase artesanal de produção.

LM – Qual sua opinião sobre a produção literária atual, principalmente em termos de Poesia?

FM – Reconheço que existam novos poetas de qualidade surgindo; no entanto, existe também um fenômeno acontecendo em paralelo, uma profusão de “novos escritores”; esse “boom” de publicações, causado talvez pela facilidade atual de se editar e publicar livros. Participo de saraus, de vários tipos de eventos, e vejo essa questão constantemente, gente que se entende como poeta, e tem texto sofrível, repetitivo, sem criar algo representativo; ou às vezes me deparo com observações no mínimo estranhas, como alguém elogiando uma menina de quatorze anos como uma grande poeta. Nesses encontros, a gente ouve um amigo, baseado em critérios dúbios, afirmar que um determinado poeta é atualmente o maior poeta do país, e essas observações sempre se repetem – o que me preocupa demais. A Poesia é arte, e parece que se reduz a relatórios, desabafos e poemas panfletários de qualidade duvidosa.
Eu, como autor e criador, estou voltado cada vez mais para não me deixar levar pela onda e por modismos, mas sei que não é fácil. A Poesia como arte precisa criar algum incômodo, e não enxergo na maioria dos poetas que conheço essa procura; o que se busca é aquele reconhecimento imediato, o aplauso fácil, e para isso se produz textos direcionados ao gosto geral. Felizmente existem os remanescentes, poetas como: Leila Miccolis, Nicolas Behr, Tanussi Cardoso, para citar alguns. E que os mais novos possam se espelhar na história deles.

LM – Qual o conselho para quem está começando?

FM – Em primeiro lugar ler outros poetas, sejam eles contemporâneos ou antigos/clássicos, acredito até hoje que os melhores escritores são leitores atentos.

Outra dica é não desistir. Eu ouvi Paulo Leminski comentar uma vez: “aos dezessete anos todo mundo tem espinha e é poeta”, então o que determina que alguém seja realmente um escritor é não desistir, ser poeta aos dezessete anos e continuar sendo sempre.

É preciso paciência e espírito crítico para reconhecer que sempre se pode melhorar o texto; aconselho ser humilde, sem ser explorado, mas no sentido de saber ouvir, não desconsiderar os que vieram antes, não achar que tudo está sendo feito agora e nada existia antes, pesquise, descubra o que se fazia no país, o as pessoas pensavam, como produziam, como conseguiam superar as dificuldades, precisa acreditar no potencial, precisa descobrir sua própria linguagem, precisa encontrar novas formas, novos assuntos, reconhecer que tudo ou quase tudo já foi dito. Saber que ser escritor independente não é fácil, nunca será.

Um poema de Flávio Machado

Declaração de princípios

a poesia precisa do chão
sentir na carne o frio
que sentem os mendigos
abraçar os oprimidos

a poesia
precisa respirar
soltar-se das amarras
pisar na grama dos censores

a poesia
precisa tomar vergonha na cara
e se perpetuar como arte.

Acesse o canal do Flávio Machado no YouTube!

Descubra mais informações importantes sobre autoria independente, no post: Seja um autor independente criativo e apareça.

Autores: Bárbara Vitoriano, Leila Miccolis e Maxwell dos Santos.

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