Velho jornal sob a mesa

O jornal estava sobre a mesa, dobrado não desfolhado, as notícias passadas iluminadas pela lâmpada com sua luz fraca, colocava-a em desespero, dias se passaram e ela não podia saber o que tinha acontecido, o quê o velho jornal abrigava? Rondou em volta dele, abriria-o? Talvez quando findasse a fumaça que exalava do copo de café e pudesse sorvê-lo sem a língua queimar.

Respirou profundamente, arrumou o cabelo, olhou para lâmpada  e perseguiu com os olhos a casa, soltou a voz, queria companhia, correr, sim correr! _ seria bom demais, foi até a cozinha a lava louças estava escancarada , há quantos dias estava assim?  Teria parado no mesmo dia em que jornal chegara e ficara sobre a mesa?

A chave de fenda! poderia pega-la e tentar arrumar a lava-louças desfalecida, ficou fatigada em pensar, afinal, era ele que consertava tudo. E a parceira dela de tantos dias, não deixara os pratos limpos, sujeira, ela também carregava as suas, o chuveiro , não o ligava a dias. O jornal também trazia nodoas. Lavar as mãos!, mergulhou o pensamento nessa intenção, ligou a torneira e deixou a água escorrer, perdeu-se…

Voltou a si ao esbarrar na caneca de cerâmica posta na pia há tantos dias e ela espatifar-se estrondosamente no chão, agachou-se para juntar os cacos, pensou que o jornal seria ideal para embrulhar os pedacinhos da caneca e jogar no tambor que abrigava o lixo localizado  próximo ao portão. Pegou delicadamente os cacos, um entrou e seu dedo, leve corte, gotícula de sangue transbordou , não ligou, foi juntando os cacos, olhou por debaixo da pia, a bolinha verde do gatinho tão sapeca estava lá abandonada. Ele também não voltou! Os olhos buscaram a imagem deles, não encontrou. Arregalou-os e levantou deixando cair todos os cacos novamente.

Rumo a sala avistou a sorte, quer dizer, a ferradura , todos diziam trazer sorte. A ferradura, esperava tanta essa sorte, não estava ali, nem o jornal, ficaria tão bonitinha dentro da lata de lixo, poderia ficar escondida lá, tamparia e ela sumiria, escapou-lhe as inquietudes por um grande suspiro dado , saído das dores negadas.

Voltou-se para sala, alongou o olhar até o jornal, a fumaça já esvaíra do copo de café, assistiria um pouquinho de tevê, mas os cabos estavam soltos, era ele que os conectava, quantos dias sem ele? Não conseguia precisar, as mãos alongaram e contraíram se , cerrando até doer, em cima, da estante , a fita adesiva pendia,  pegou-a , tirou um pedaço e o enrolou freneticamente no dedo pintado de vermelho. Apertou tanto, até soltar um gemido profundo.

 Agitou-se , e começou a procurar nas gavetas, a principio sem ter a certeza da busca, mas, quando a avistou, não teve dúvida, era a borracha que desejava , segurou-a na mão em concha. E resolveu voltar ao jornal.

Fitou-o aproximando e distanciando os olhos acelerados, sabia …não queria, mas sabia sobre o fato negado…tinha deixado ele arrumadinho, mas nada mudara. Tocou-o , as lágrimas rolaram, tudo embaçou, pegou a borracha e começou passar sobre a foto do acidente de carro, desejando apagar o fato da partida deles,  e assim, foi borrando o jornal, enquanto, as lágrimas continuavam a borrar o seu rosto, e as lembranças iam e vinham, ora como uma foto em que não se esconde nenhum detalhe, ora como apenas imagens distorcidas.

Parou de chorar. Parou de apagar. Dobrou delicadamente o jornal. Parecia ter sido entregue hoje. Deixou o lá. Iria lê-lo um outro dia, ou quem sabe mais tarde. Voltou-se para o sofá , encostou fechou os olhos, e deixou a voz dele brincar na lembrança, enquanto adormecia.

Exercício realizado a partir de uma lista de objetos , proposto pela profa. Me. Ana Carolina Monteiro, no módulo Gestão e Inovação

About Marcos C.

Estou há 45 anos montando e desmontando definições, há treze anos na cidade mais frenética, e a cada dia entendendo que sou apenas um velho menino do interior, mas continuo virginiano , solitário, porém, cheio de amantes: literatura, filmes e séries.

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