Pequena palavra, grande devastidão!

Cresci com o interdito da palavra câncer, havia medo na enunciação dessa palavra em minha família, no meu imaginário ela e tantas outras deveriam ser silenciadas por diferentes razões. Mesmo ela sendo proibida, não evitamos que ela chegasse e nos assombrasse por dezoito meses, não evitamos a devastidão trazida por uma pequena palavra.

E foi assim, depois de um ano e meio de luta que recebo o telefonema de minha irmã dizendo volta, pois ele vai partir essa noite. No meu interior tremi, acovardei-me, não queria enfrentar a debilidade presenciada pelos meus olhos no natal, não queria retornar para o fim nesse janeiro, mês que prenunciava a celebração do nascimento dele.

Desliguei o celular, debati-me e fui. Nas seis horas de viagem, vinte anos de convivência passaram pela minha memória, seis horas de preenchimento e esvaziamento contínuo. A morte não era uma sombra perseguindo-nos, a morte era a certeza. Estava voltando não para o reencontro familiar, não para que todos me esperassem na rodoviária, retornava para ajudar recolher os pedaços espalhados pela perda, pelo enfrentamento de uma doença destruidora e de seus ecos nos que ficam.

Após seis horas, meu cunhado não esperaria na rodoviária com as mulheres de minha vida, irmã, mãe, sobrinha, como sempre fazia, desde que parti para São Paulo. Ele estava agonizando na casa levantada com suores de anos de luta, assim como sonhou com o lar, nele morrer, foi seu último desejo. Ao chegar no portão, e ouvir um gemido profundo, respirei, precisava entrar, enquanto a vontade de esconder da morte trazida pela palavra proibida devastava meu interior.

Espatifei-me, escondi lágrimas, respirei e adentrei. Minha mãe atravessada por dores mantinha-se forte para ser o suporte de dignidade ofertada a todos nós. Minha irmã desalentada pela esperança ter partido de vez, a sobrinha mergulhada em silêncio. Do lado da cama, o irmão dele conversando, com um corpo murcho de vida, ocupado somente por contorções e dando estremecimentos de adeuses interpretados por nós.

Do outro lado, uma amiga da família levada posteriormente pela pandemia estava lá sentada, depois de um dia de cuidados prestados. Todos na casa já não esperavam mais a esperança e sim a morte, senhora absoluta de todos os destinos. Assim, confrontei horas de agonia e deixei a morte me atravessar, assim, cada um ali debateu-se com a sua falta de armas para derrotar o fim quando ele chega, assim deixamos a palavra evitável nos vencer.

texto produzido durante a aula de escrita e emoção. (Prof. Dr. Jorge)

About Marcos C.

Estou há 45 anos montando e desmontando definições, há treze anos na cidade mais frenética, e a cada dia entendendo que sou apenas um velho menino do interior, mas continuo virginiano , solitário, porém, cheio de amantes: literatura, filmes e séries.

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