Homens imprudentemente poéticos, de Valter Hugo Mãe, é uma obra que engrandece a literatura graças ao primoroso requinte linguístico que o autor emprega. Esse empenho no fazer literário não passou despercebido.
O autor ganhou premiações importantes como o Prêmio Portugal Telecom e o Prêmio Literário José Saramago. No entanto, há quem não goste. Valter Hugo Mãe é do tipo de escritor que amamos ou que odiamos. De um jeito ou de outro, ele incomoda.
Provavelmente, a obra mais conhecida seja “a máquina de fazer espanhóis”. No livro, o romancista chama a atenção pela ausência do uso de letras maiúsculas para marcar o início de orações e a dos parágrafos. Essa marca que o acompanhou em outros romances não está presente em Homens imprudentes poéticos.
A narrativa do romance se passa no Japão antigo, onde os personagens sobrevivem a pobreza, enquanto lidam com as questões da alma, da vida e da morte. Não há lugar para mocinhos e bandidos, os personagens são, acima de tudo, humanos. E a cada avanço no texto, sentimos a angústia, o sofrimento do viver poético das personagens, principalmente de Ítaro e Saburo, por meio de um esmero cuidado com as palavras.
Ao começar a leitura, a vontade é de grifar todas as frases, como se conseguíssemos saborear cada palavra escrita e guardássemos dentro da gente. Valter Hugo Mãe é um gênio da escrita, conhece a língua portuguesa como poucos. Ler sentenças como “caçou e besouro e o golpeou, até que o seu corpo mínimo restasse apenas mancha na madeira” nos coloca diante da cena e nos causa emoções como se estivessem diante do acontecimento.
A criatividade com que escolhe as palavras provam a teoria gerativista, do linguística Noam Chomsky, no qual defenestraríamos a ideia de que com um número limitado de palavras é possível criar um número ilimitado de sentenças.
Cada palavra usada é pensada, esmerada para que o seu uso seja renovado. É um deleite ler um “mercar os leques para a gestão da fome“ para falar das vendas de um produto para sobreviver ou em “as as pessoas julgavam-no com garras” para falar das opiniões alheias que nos ferem tanto, apertando mesmo depois que o enunciado se esvai.
Talvez o que incomode alguns leitores, aqueles que não gostem dos trabalhos do autor, seja justamente essa experimentação linguística. Valter Hugo combina palavras cotidianas para criar uma beleza onde a pressa não nos permite observar. Para ler Homens imprudentemente poéticos é recomendável seguir os conselhos da romancista e ensaísta Francine Prose e ler com atenção, com cuidado a cada palavra. Isso porque cada palavra tem o seu lugar no romance.
Mesmo no deleite o texto incomoda, pois ele mexe conosco e nos faz sair do lugar comum, sair de nossa zona de conforto. A explicação para isso é do próprio autor:
“É ofensiva a arte. É ofensivo que nunca se baste. Para descobrir sentidos ou imitar divindade, é ofensiva”
Goste ou não da prosa poética de Valter Hugo Mãe, Homens imprudentes poéticos é daqueles livros que exalta a linguagem e nos convida a ver a beleza mesmo quando o amor acaba e a miséria se faz presente.