Bruno

Quando criança eu era muito, muito medroso. Ficava sem dormir por qualquer história que ouvia. Mas cresci e me tornei um adulto cético, com poucas coisas que realmente me assustam. Contudo, meu terror começou na noite que faltou luz em todo meu bairro…

Era bem tarde, quase meia-noite, e chovia bem forte. As famosas águas pra fechar o verão, como diz a música. Estava deitado no sofá da sala, assistindo a um filme, quando tudo ficou escuro. Um blackout. O primeiro sentimento foi o de desespero, não por ficar na escuridão, mas pelo tédio que estava por vir. Aguardei alguns minutos, que logo se tornaram horas, e nada da energia elétrica retornar. Depois de uns dois palavrões jogados ao vento, me recolhi para o meu quarto. Era o que me restava afinal: tentar descansar.

Foi quando aconteceu. Um arranhar, um som bem estridente, então desaparecia apenas para começar de novo. Jurava que vinha do meu armário e queria poder ignorá-lo, mas não conseguia. Levantei e fui ver o que era, apenas com uma luz fraca da tela do celular que usava na época. Nada. Nem um rato, nem objeto caído. Parecia apenas esperar que eu desistisse e colocasse minha cabeça no travesseiro, para que a terrível cacofonia começasse de novo. Às vezes parecia vir debaixo da cama, depois voltava para o armário.

Não sei que horas a luz voltou, nem quando dormi, mas acordei de manhã, com uma forte dor de cabeça e a luz do quarto acesa. A porta do meu armário estava aberta e minhas coisas reviradas. Senti medo, mas não contei pra ninguém. O que de pior poderia ser?

Até que a madrugada veio e tudo se repetiu. Fechei meus olhos e torci para o sono vir. Mas o que veio foi um gemido estranho. Dessa vez acima de mim. Seria na cama de cima do beliche? Seria no forro? Respirei fundo e me levantei, com celular em mãos. Acendi a luz do meu quarto e a do quarto ao lado. Abri os armários, olhei debaixo da cama e acima dela também. Nada. Absolutamente nada. Mas até aí, o dia já amanhecia novamente.

E agora já era o terceiro dia. O terceiro dia de um tormento inexplicável. O que antes só poderiam ser ratos, tinha certeza de que deveria ser algum encosto, fantasma, diabo ou qualquer outra entidade assombrosa. Já dava uma da manhã e, sozinho em casa, não conseguia dormir. Meu quarto era tomado por arranhados e barulhos fortes vindo do teto.

Desisti da luta e me joguei no sofá, buscando alguma paz. Quase chorando, me cobri com uma manta improvisada, feita da capa do sofá. Quase consegui adormecer… Então o barulho. Estrondoso, ensurdecedor. Mas, dessa vez, não veio só. Um peso caiu sobre mim, quase como uma bomba. Ao passar o susto, olhei para cima e vi um imenso buraco no forro da sala e, em cima de mim, a fonte de todos os meus medos: poderia ser branco como um fantasma, mas estava sujo, com as bochechas machucadas e olhos brilhantes, tão arregalados quanto os meus. Nos encaramos por um minuto e comecei a rir de mim mesmo. Era um gato. Um gato “branco” e assustado. Certamente se meteu em muitas confusões buscando abrigo das chuvas dos últimos dias e, no caminho, se tornou meu prisioneiro e eu o prisioneiro dele. Dois patéticos exemplares de suas espécies.

E foi assim que conheci o Bruno. Depois disso, ambos dormimos muito bem, e juntos, por anos a fio. Afinal, agora um podia proteger o outro. Principalmente quando chovia.

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