Estou sempre atrasada. Mas você já sabe que a minha relação com o tempo não é boa.
Um dia, no divã, a estudiosa da terapia transpessoal me disse que sou eu que decido o quanto estou disposta a pagar por essa discordância. Na época, silenciosamente, concordei. E segui a vida.
Chego atrasada até para o amor. Depois de alguns encontros, ele já não me espera mais. Nem manda mensagem perguntando se ainda vou. Mas eu sempre chego. Também, ele, já sabe disso.
Estranho como o tempo é diferente para cada um de nós. Até para o amor.
O som da campainha não surpreende mais. A portaria do condomínio tirou todo o romantismo ou o suspense do “será”. Entro na sala pequena de um apartamento moderno com móveis projetados. Afetuoso, me recebe com um beijo de amor: gosto de pensar assim. Um beijo demorado. Delicado. Quente. No olhar, lampejos afetuosos também me aquecem. Um olhar intimista. Invasivo. O aperto do abraço e a demora em me libertar reflete o tamanho da saudade, do tempo do amor. E eu fico em seus braços até cansar.
“Te amo, desgraça!” Não chego a pronunciar… Em seguida a canção de Baco Exu do Blues me toma a memória.
E eu estou ali. Há prova de amor melhor que essa? Precisei abrir mão de meus orgulhos para estar presente; entregue em sentimentos e sensações, sem vergonha e barreiras. Ao menos pelas próximas 12 horas. Esse é o tempo médio que a nossa convivência dura. Metade de um dia, em uma semana qualquer de um mês do ano vigente.
Chega a hora do jantar. Meus pedidos postos à mesa; do vinho a sobremesa, com esmero.
Fico esperando a hora em que vai perguntar o que aconteceu. É admirável a sua coragem ou curiosidade. Antecipando-me ao tempo dos esclarecimentos, começo a traçar o discurso nas ideias. Mas aquele olhar doce, agora vem com um misto de graça, me desmontando. Esqueço tudo. Depois de semanas de raiva, é tempo de amar. Ao menos pelas próximas 8 horas.