Na fatia final, repartir…

Composição produzida pela estudante Tabita Maier a partir da captura de tela do Meet da última aula de 2021

Estava pensando naquela história das fatias de tempo do Drummond. Aqui, nas beiras da última fatia de 2021. Quem cortou esse ano, errou na conta, as fatias meio desproporcionais… Tive a sensação de que tinha mais que doze! Talvez seja impressão minha, talvez eu tenha esgotado no meio do caminho ou meu limite de exaustão se encurtou! Depois da sequência trágica de fatias, talvez desde 2015, 2016, eu passei a sentir uma espécie de vingança do tempo. O danado afiou suas faquinhas e passou a fatiar a gente! Assumiu seu papel de grande deus Chronos e resolveu nos devorar… Não sem antes cortar em pedacinhos, auxiliar na digestão!

Mas, a belezura dessa tragédia moderna é que a mesma genialidade que motivou a fatiação do tempo, ao submeter-se à vingança do fatiado, não se despedaça sem antes dar sentido aos pedacinhos. Aí me lembro de outro poeta, o Emicida, que declamando sobre o tempo e lembrando que é tudo pra ontem, disse que “viver é partir, voltar e repartir”. Das fatias e suas partes, dos pedacinhos e seu esparramado na repartição, achei por bem voltar e repartir sobre uma das partes que tem ocupado a fatia de uma das minhas fatias desde a fatia “abril” de 2021.

Há muito ando despedaçada, estraçalhada, picadinha… Eu, já tão pequena, esmiuçada pela revanche do tempo, achei jeito grande de encarar os sentidos desse rasga coração, achei lugar: na Pós, como chamo carinhosamente a Especialização em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataformas. Nome comprido igual de família nobre, mas que ao contrário de lacaios monarquistas, merece apelido amorzinho. A Pós é aula, ótimos professores/as, uns temas maneiros, novidade e trabalho, leituras incríveis e até prova (afinal, é uma pós)… Mas, a Pós é minha turma! E que turma! <3 (suspiro!)

É sobre isso que quero repartir! Sobre as partes dessa parte e como “traduzir-se” a la Ferreira Gullar. Na minha vertigem, encontrei linguagem em todos/as e cada um/a… Aqueles quadradinhos na tela do Meet, tão tão distantes porque eu vivo em Tão Tão Distante, me enquadraram com poesias e contos e crônicas e romances e comentários no chat. Aí me senti parte e inteira, porque quando a gente printa a tela todos viram um sem deixar de ser em si um universo. Os universos lindos e seus sotaques diferentes do meu… As línguas declamantes tocando minha língua, porque ao entrar pelos meus ouvidos e esparramar pelos meus olhos, chegam à boca! Minha boca que só quer falar da Pós e seus aprendizados. E dos universos que fazem da Pós ser aprendizados.

Os universos de que falo e não falaria se não fosse a Pós. Quando eu teria a chance de estar em todas as regiões desse Brasilzão de uma só vez ao mesmo tempo que no México, ao sentir todas essas partes aqui no longínquo sudoeste paranaense, sem muriçocas mas repleto de pernilongos? Esse rolê meio quântico que atravessou o espaço só poderia dar novo sentido ao tempo, o fatiado fatiante. E concluí então que até 2021 soube ser gentil.

Hoje chegou uma caixinha aqui porque a gente é turma mesmo e faz amigo secreto de fim de ano! E aí eu sonhei com um dia em algum tempo fatiado em que será possível sermos nós os pacotinhos a chegar em algum mesmo lugar para abraçar e traduzir-se nas outras partes. Apesar de ser tudo pra ontem, peço licença para Drummond e em vez de industrializar a esperança pretendo fazê-la artesanalmente, mas com o mesmo propósito. Lembrei da Tabita rasgando as palavras em seu poema! Como num avesso da cena, a poesia de universos da Pós recompõe meus pedacinhos… Entre durex e fita crepe, washi tape e cola de bastão, linha na agulha e grampeador, adesivos e cascorez, me refaço nas fatias sabáticas, que se tornam meu período sabático em meio às lâminas afiadas do meu cotidiano. Vem 2022, estou remendada mas inteira <3

Obrigada pessoas-universos e seus métodos restauradores!


No texto são citados os poemas “Cortar o tempo”, de Carlos Drummond de Andrade; “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar; e “Rasga”, Tabita Maier.

Há também referência à Canção “É tudo pra ontem”, Emicida.


Pequena grande nota de rodapé: a 2ª Turma da da Pós-Graduação em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataformas da Faculdade Novoeste iniciou as aulas em abril de 2021. Esse texto é um breve balanço anual, desses que fazemos nas horas derradeiras de dezembro, bem pessoal e sucinto, sobre a jornada que comecei ao integrar essa turma! Desde a primeira aula, tenho vivido os encantamentos de quem tem o privilégio de aprender “desinteressadamente”, sem pressões embora com muita complexidade e seriedade. Todo esse aprendizado tem a ver com a baita qualidade do curso e seus/suas docentes incríveis, sem dúvida! Mas, isso se potencializa um tanto sem tamanho com a composição do grupo! Quanta gente linda! Quanta gente criativa! Quanta gente generosa! Eu precisava repartir minha gratidão com essa gente toda!


About Mayara Yamanoe

professora, camarada, constante estudante, preocupada&cansada, péssima com definições e sínteses. tem medo de se conformar. ama palavras e seus abrigos.

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