castelo na areia

Lembro da brisa do mar insistir em pôr meus cabelos em meu rosto e da água salgada queimar a minha pele por causa do sol escaldante. A areia quente debaixo dos meus pezinhos os faziam afundar com o vai e vem da água. Eu era um pontinho cabeludo em meio a praia no verão. Vestia um maiô rosa e um rosto triste. Fazia algumas horas, provavelmente minutos, mas criança não tem noção de tempo mesmo – que eu estava lutando contra as ondas do mar fazendo-as não destruir o meu castelo na areia. Eu estava determinada e frustrada… um vai e vem de emoções como as ondas atrás de mim. Naquela época eu era quieta e cabisbaixa. Sorria raramente, comia igual passarinho e me escondia das pessoas. Meus olhos só ganhavam vida em meio a natureza e os bichos. A praia sempre foi meu lugar preferido. E naquele verão a tristeza foi embora, assim magicamente.

Meu pai observando-me de uma distância segura, veio até mim tentando me ajudar. Ele cavou uma trincheira ao redor do castelo protegendo-o das ondas mais fortes. Cavou um canal para a água escoar pelas laterais e desse jeito, meu castelo podia sobreviver por pelo menos aquela manhã até uma outra criança vir e pisar em cima. E tudo bem, o futuro não me incomodava naquela época. Olhei pro meu pai timidamente e sorri como um gesto de apreciação. Ele sorriu de volta enquanto me olhava ficar de pé e andar até o mar. Era como se a água me chamasse sussurrando no meu ouvido. Meus olhos se arregalaram em êxtase quando vi uma criatura nadando perto de mim. Na beira da água era minúscula, não muito maior que um siri. A pequena criatura parecia sorrir pra mim enquanto nadava em volta dos meus pés sempre checando se eu estava olhando. Devagarinho senti a linha da água subindo pela minha pele até meus pés não mais encontrarem o fundo. A pequena criatura me envolvia com seus nados e pequenos pulos fora d ‘água. A primeira vez que a vi parecia um peixinho e logo me dei conta que era meio gente também. Ainda curiosa, mergulhei.

De lá do fundo pude ver mais de perto. A pequena criatura era quase seis vezes o meu tamanho. E ela nadava em volta de mim com suas cores pretas e brancas. Seu canto enroscava no meu ouvido e eu a escutava como uma boa conversa entre amigos. A água nos meus pulmões não me incomodava, de fato, eu até respirava oxigênio e soltava bolhas de ar do jeito que eu havia acabado de aprender. E também já não era mais peixe e nem humano. Era outra coisa, ainda melhor. E olhava diretamente pra mim. Nadamos. Mergulhamos. Foi-me mostrado um mundo de seres coloridos e fluorescentes que vinham curiosos até mim. Vi navios naufragados e cidades perdidas. Conheci outros como a minha amiga criatura e brincamos. Piruetas perto da anêmona, bolhas na cara da tartaruga e corrida com a lula que também me ensinou a pintar.

Até que vi uma pequena luz me chamando. Segui-a, curiosa como nunca. Nadei. Mergulhei um pouco mais. Quando estava quase perto o suficiente para tocá-la, percebi que já estava muito longe de onde deveria estar. Olhei pra trás escutando um canto conhecido. A luz me chamava cada vez mais alto do outro lado. Ela sussurrava o meu nome em meio a escuridão e maliciosamente sorria pra mim. Perdida na escuridão do mar, queria voltar pra onde eu estava antes. Eu nadava, mas não me movia. Meu coração pulsava forte. Comecei a sentir a água entrando nos meus pulmões. Chorei. As lágrimas não saiam. Não era mais uma menina na praia. Minhas lágrimas não significavam nada pro mar cheinho delas. Bati meus bracinhos. Bati minhas perninhas. E nada. Olhei para a luz novamente, e baixinho desejei o abraço do meu pai. Fechei os olhos e me encolhi feito caramujo no meio do oceano. Traguei o oxigênio da água mais uma vez,e senti a água rasgando meus delicados pulmões.. Devagarinho, senti-me flutuar. E cada vez mais rápido, a luz parecia aumentar engolindo-me inteira. Percebi que não era uma luz, mas a superfície. Eu estava a salvo. Minha amiga não esquecera de mim e veio me resgatar. Eu podia respirar o oxigênio do ar e fui inundada por uma alegria singela. A criatura, agora reduzida novamente, olhou pra mim e sorriu. Largamente sorri de volta como gesto de apreciação. 

Acho que alguns dias se passaram, talvez horas. Acho que não faz muita diferença agora, afinal, criança não tem muita noção do tempo. Dei adeus ao serzinho que aquecera o meu coração e corri de volta para o meu pai. Ele ainda lutava contra a maré que persistia em destruir o nosso castelo. Ele olhou pra mim e eu pra ele. Desta vez, gargalhei.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *